quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Música Indiana


Para além de todo o misticismo em torno da Índia, o que há de mais tátil lá é a sua pluralidade. Talvez a Índia seja, junto com o Brasil, um dos únicos países no mundo com tanta diversidade cultural. As questões religiosas refletem isso, há tantas religiões na Índia quanto ritmos musicais. O instrumento mais famoso é de longe a Sitar. Seu som peculiar é largamente associado a psicodelia. Dentre os músicos que tocam Sitar, Ravi Shankar é uma espécie de Jimi Hendrix do instrumento.
Por acaso é o disco the sounds of India de Ravi Shankar que está no livro 1001 discos para ouvir antes de morrer – onde clássicos e mais clássicos da música pop aparecem. O disco não foi escolhido por acaso, é nele que temos a faixa an introduction to indian music, onde ele explica coisas básicas como o tempo da música indiana. A ideia é ótima para nós ocidentais irmos conhecendo a música oriental e entendermos ela. Apresentando em separado cada parte, elas ficam mais claras quando executadas junto. Igual aquela cena do Moonrise Kingdom.
A música europeia é a que criou as partituras, onde as notas estão indicadas e o tempo da música está ali também (colcheias, semi colcheias, etc). Este tipo de notação musical surge com um tipo de música, a europeia.
Porém tem algo que pode estranhar a nossos ouvidos acostumados com a voz humana, não há vocais na música de Ravi Shankar. E se existe algo bonito são as variações feitas pelas Surdas. Elas são cantoras de hinos sagrados, geralmente em devoção a Krishna. Como muitas delas são cegas, se crê que a cegueira lhes facilitaria a habilidade para o canto, sendo sua voz um dom divino. As letras são em forma de poesia, hinos devocionais. Você com certeza já ouviu algum canto devocional das surdas, nem que seja como trilha de fundo de algum filme ambientado na Índia. Por acaso um belo dia encontrei o disco Surdas Bhajans hindi devotional de Sangitha Kalanidhi M. S. Subbulakshmi. Mesmo sem conseguir pronunciar seu nome, me apaixonei por sua música rapidinho. A presença de vocais se mistura com outros instrumentos da música indiana que geram um som tal que te leva para longe.
George Harrison e Ravi Shankar
Mesmo começando com o clássico Ravi Shankar, muita gente (inclusive eu) parou para ouvir alguma música indiana com os Beatles, mais especificamente George Harrison e o disco Revolver. George Harrison é apontado como um dos precursores na mistura da música indiana clássica com o rock, chegando até mesmo a tomar aulas de sitar com Ravi Shankar e ficando um bom tempo na Índia para se aperfeiçoar. Seu trabalho é notório, mas segundo declarações suas ao justificar seu “abandono” da Sitar coloca: “jamais chegaria a ser um bom tocador de sitar e isso não melhorou em nada minha guitarra”.
Acredito que a mistura da música indiana com o rock tenha seu exemplo mais bem sucedido com Ananda Shankar, parente de Ravi Shankar. Ananda foi encontrado por Jimi Hendrix em Nova York que logo o convidou para produzirem alguma música juntos. Parece que Jimi Hendrix buscava um som novo e amou a Sitar de Ananda. Até chegaram a ir para o estúdio, mas tudo o que Hendrix e Shankar conseguiram foi brigar. Depois disso Ananda Shankar decidiu gravar seu próprio disco. O resultado foi o homônimo Ananda Shankar em 1970.
Depois da era hippie a cultura indiana parece que conseguiu furar um pouco essa cultura ocidental moderna tão dura e rígida. O objetivo da contracultura é justamente este, criar algo novo em negação a sociedade que existia, uma alternativa para esse mundo cão.
Recentemente tomei contato com o som ácido indiano dos anos 1960. Como em todo lugar, eles produziam sua própria versão daquele som maravilhoso dos incríveis anos sessenta. Gosto bastante desta psicodelia de garagem, muito mais do que todo o refinamento e perfeição de bandas como Yes ou Pink Floyd. A sujeira faz com que as coisas sejam menos estéreis.
Se você já assistiu Ghost World, com toda certeza gostou da entrada quando toca Jaan Pehechaan ho, a música mais explosiva para balançar braços e cabeça na sua vida! Partindo dai, podemos perceber que não só de música clássica vive a Índia. Apesar de toda yoga e ayurveda, eles possuem seu lado ocidental. Podemos escutar a Simla Beat, coletânea do festival organizado pela marca de cigarros Simla, que gravou em duas edições as músicas dos participantes vencedores (o concurso ocorria em várias regiões da Índia). Não espere por Sitars ou algo indiano, temos um esforço descarado em imitar as bandas americanas e inglesas. Curioso afinal, já que o que torna a Índia tão famosa, e não só na música, é essa sua particularidade em relação ao mundo ocidental (europeu). Simla Beat não passa de uma boa coletânea de música rock psicodélica de garagem indiana dos anos 1960, som fácil e gostoso de ouvir. Mas o encontro entre a Índia e a cultura ocidental não para por ai. 
Om, provavelmente o mantra mais famoso.

 O que pouca gente sabe é que a província indiana de Goa, que foi até o ano de 1962 colônia portuguesa, vai se transformar num reduto dos Hippies. Isso fará com que mais tarde Goa se transforme num templo das raves, e parece continuar sendo. O curioso é que um dos primeiros discos para as raves é produzido na Índia! Charanjit Singh lança seu Ten ragas to a disco beat, e temos a rave lançada para o mundo. O nome já anuncia o caráter meditativo da música (lembra do raga citado acima?). Nada mais que os primórdios do eletrônico. Pode nos parecer até mesmo demasiado repetitivo, mas imagine este som em 1982! Loucura pura! Ocorre que a Índia tem um caldeirão de sons tão grande quanto sua variedade religiosa, e por isso independente de ser tocado por um instrumento sagrado como a Sitar, a ideia do contato com o seu ser está sempre ali, e isto talvez seja o mais importante da música indiana para nós ocidentais, motivados por máquinas, fumaça e o tempo marcado do relógio.

Ps: para mais informações sobre os discos e download, clique nos links  ;)

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