Para além de todo o misticismo em torno da Índia, o que há de mais
tátil lá é a sua pluralidade. Talvez a Índia seja, junto com o
Brasil, um dos únicos países no mundo com tanta diversidade
cultural. As questões religiosas refletem isso, há tantas religiões
na Índia quanto ritmos musicais. O instrumento mais famoso é de
longe a Sitar. Seu som peculiar é largamente associado a psicodelia.
Dentre os músicos que tocam Sitar, Ravi Shankar é uma espécie de
Jimi Hendrix do instrumento.
Por acaso é o disco the sounds of India
de Ravi Shankar que está no livro 1001 discos para ouvir
antes de morrer – onde
clássicos e mais clássicos da música pop aparecem. O disco não
foi escolhido por acaso, é nele que temos a faixa an
introduction to indian music,
onde ele explica coisas básicas como o tempo da música indiana. A
ideia é ótima para nós ocidentais irmos conhecendo a música
oriental e entendermos ela. Apresentando em separado cada parte, elas
ficam mais claras quando executadas junto. Igual aquela cena do
Moonrise Kingdom.
A música europeia é a que criou as partituras, onde as notas estão
indicadas e o tempo da música está ali também (colcheias, semi
colcheias, etc). Este tipo de notação musical surge com um tipo de
música, a europeia.
Porém tem algo que pode estranhar a nossos ouvidos acostumados com a
voz humana, não há vocais na música de Ravi Shankar. E se existe
algo bonito são as variações feitas pelas Surdas. Elas são
cantoras de hinos sagrados, geralmente em devoção a Krishna. Como
muitas delas são cegas, se crê que a cegueira lhes facilitaria a
habilidade para o canto, sendo sua voz um dom divino. As letras são
em forma de poesia, hinos devocionais. Você com certeza já ouviu
algum canto devocional das surdas, nem que seja como trilha de fundo
de algum filme ambientado na Índia. Por acaso um belo dia encontrei
o disco Surdas Bhajans hindi devotional de Sangitha Kalanidhi
M. S. Subbulakshmi. Mesmo sem conseguir pronunciar seu nome, me
apaixonei por sua música rapidinho. A presença de vocais se mistura
com outros instrumentos da música indiana que geram um som tal que
te leva para longe.
George Harrison e Ravi Shankar |
Mesmo começando com o clássico Ravi Shankar, muita gente (inclusive
eu) parou para ouvir alguma música indiana com os Beatles,
mais especificamente George Harrison e o disco Revolver.
George Harrison é apontado como um dos precursores na mistura da
música indiana clássica com o rock, chegando até mesmo a tomar
aulas de sitar com Ravi Shankar e ficando um bom tempo na Índia para
se aperfeiçoar. Seu trabalho é notório, mas segundo declarações
suas ao justificar seu “abandono” da Sitar coloca: “jamais
chegaria a ser um bom tocador de sitar e isso não melhorou em nada
minha guitarra”.
Acredito que a mistura da música indiana com o rock tenha seu
exemplo mais bem sucedido com Ananda Shankar, parente de Ravi
Shankar. Ananda foi encontrado por Jimi Hendrix em Nova York que logo
o convidou para produzirem alguma música juntos. Parece que Jimi
Hendrix buscava um som novo e amou a Sitar de Ananda. Até chegaram a
ir para o estúdio, mas tudo o que Hendrix e Shankar conseguiram foi
brigar. Depois disso Ananda Shankar decidiu gravar seu próprio
disco. O resultado foi o homônimo Ananda Shankar em 1970.
Depois da era hippie a cultura indiana parece que conseguiu
furar um pouco essa cultura ocidental moderna tão dura e rígida. O
objetivo da contracultura é justamente este, criar algo novo em
negação a sociedade que existia, uma alternativa para esse mundo
cão.
Recentemente tomei contato com o som ácido indiano dos anos 1960.
Como em todo lugar, eles produziam sua própria versão daquele som
maravilhoso dos incríveis anos sessenta. Gosto bastante desta
psicodelia de garagem, muito mais do que todo o refinamento e
perfeição de bandas como Yes ou Pink Floyd. A sujeira
faz com que as coisas sejam menos estéreis.
Se você já assistiu Ghost World, com toda certeza gostou da
entrada quando toca Jaan Pehechaan ho, a música mais
explosiva para balançar braços e cabeça na sua vida! Partindo dai,
podemos perceber que não só de música clássica vive a Índia.
Apesar de toda yoga e ayurveda, eles possuem seu lado
ocidental. Podemos escutar a Simla Beat, coletânea do
festival organizado pela marca de cigarros Simla, que gravou em duas
edições as músicas dos participantes vencedores (o concurso ocorria em várias regiões da Índia). Não espere por Sitars ou
algo indiano, temos um esforço descarado em imitar as bandas
americanas e inglesas. Curioso afinal, já que o que torna a Índia tão famosa,
e não só na música, é essa sua particularidade em relação ao
mundo ocidental (europeu). Simla Beat não passa de uma boa
coletânea de música rock psicodélica de garagem indiana dos anos
1960, som fácil e gostoso de ouvir. Mas o encontro entre a Índia e
a cultura ocidental não para por ai.
Om, provavelmente o mantra mais famoso. |
O que pouca gente sabe é que a província indiana de Goa, que foi
até o ano de 1962 colônia portuguesa, vai se transformar num reduto
dos Hippies. Isso fará com que mais tarde Goa se transforme
num templo das raves, e parece continuar sendo. O curioso
é que um dos primeiros discos para as raves é produzido na
Índia! Charanjit Singh lança seu Ten ragas to a disco beat,
e temos a rave lançada para o mundo. O nome já anuncia o
caráter meditativo da música (lembra do raga citado acima?). Nada
mais que os primórdios do eletrônico. Pode nos parecer até mesmo
demasiado repetitivo, mas imagine este som em 1982! Loucura pura!
Ocorre que a Índia tem um caldeirão de sons tão grande quanto sua
variedade religiosa, e por isso independente de ser tocado por um
instrumento sagrado como a Sitar, a ideia do contato com o seu ser
está sempre ali, e isto talvez seja o mais importante da música
indiana para nós ocidentais, motivados por máquinas, fumaça e o
tempo marcado do relógio.
Ps: para mais informações sobre os discos e download, clique nos links ;)
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