terça-feira, 17 de junho de 2014

Dance of Days - a história não tem fim (2001)

Alguns gêneros musicais são bem conhecidos por suas “bandas genéricas”. Bandas que fazem a mesmíssima coisa que dezenas de outras já fizeram, os mesmos tipos de letras, os mesmos efeitos de guitarra, a mesma estrutura, etc etc etc. O punk, hardcore, post-hardcore são famosos por isso, assim como emo. Gêneros onde um mar de mediocridade esconde algumas excelentes bandas, que tem uma inventividade muito acima da média. O disco “A História Não Tem Fim”, da banda paulistana Dance of Days é um ótimo exemplo disso.
Já no longínquo ano de 2001, quando no cenário punk/hardcore era tomado por centenas de bandas cantando em inglês, com uma sonoridade mais ou menos parecida, o Dance of Days aparece com seu primeiro álbum cheio, com 15 músicas, 13 delas em português, um álbum gravado quase ao vivo, o que por um lado mostra todas as falhas técnicas da banda (que não são poucas), por outro também deixa transparecer toda a força e energia do álbum. A primeira música, “Se Essas Paredes Falassem” deixa muito claro a essência da banda, enquanto o vocalista grita a letra que fala sobre um sujeito que em meio a um mundo extremamente preconceituoso, se vê em um relacionamento homossexual.
Daí pra frente o álbum se divide em duas partes, a primeira é extremamente pesada e agressiva, onde as letras extremamente políticas são ao mesmo tempo muito passionais, podemos ver isso na música Ícaro Sobre As Chamas:

[...] Enquanto nos porões destas fábricas nosso suor move as máquinas,
a fumaça cinza apaga o sol,
e então saímos pra recolher
os restos por baixo da fuligem.
Por favor não me deixa ver que nós trocamos
nosso sangue por migalhas e que não há mais abrigo
pra se proteger agora que a noite não tem fim.
Segura forte minhas mãos e diz
que amanhã vamos acordar
e nosso leito não vai estar tão sujo e frio...
O disco segue com a música “Corvos do Paraíso”, onde o vocalista Nenê Altro canta suas desilusões de lutas e grupos políticos – “vejo a solidariedade proletária escorrer pelo sangue nas costas de meus irmãos”. Toda essa primeira parte do álbum é marcada por essa espécie de desilusão das lutas políticas e da mentalidade de grupo. A próxima faixa, “Vinda a Mim” é quase um hino anticristão e anticatólico, e a desilusão política volta mais uma vez em “Flores Aos Rebeldes Que Falharam”, que tem mais uma letra carregada de niilismo que diz - “E nunca conseguimos nada. Todos sonhos que tivemos condenamos ao esquecimento e ao nosso próprio desprezo”. E a primeira parte do disco chega ao fim com a música “Carro Bomba”, a música mais pesada e “punk” do álbum, possui uma letra que transmite um sentimento daqueles que qualquer trabalhador assalariado desse mundo já pensou, talvez não de maneira tão agressiva, mas enfim: - “Você não imagina o que eu tenho em mente quando digo bom dia... Quando digo "sim, senhor" eu penso em te erguer pelo pescoço  e te ver mijar nas calças, seu filho da puta.”
Depois dessa canção de pura poesia e amor ao próximo, começa a parte mais calma do álbum, onde as músicas são mais cantadas e menos gritadas, e o aspecto político delas fica mais escondido nas letras pessoais, extremamente pessoais, é o caso da música “Mais Um Café Gelado Por Favor”, onde o personagem grita que não quer mais ouvir sobre trabalho, dinheiro ou como ele deveria mudar o mundo e se comportar, sobre coisas que ele não vai mudar. É quase impossível ouvir isso e não se identificar, porque afinal, todo mundo um dia já passou por isso, esse talvez seja o grande trunfo da banda e o fator maior do seu “sucesso”, a capacidade de fazer letras passionais que conservem algum conteúdo, coisa que era muito pouco vista na música, no rock brasileiro do final de 90 e começo dos anos 2000.
Após algumas canções mais “românticas” que deixaram a banda com o rótulo risivelmente pejorativo de emo, o disco termina com “Suburbia 1996”, uma música em inglês que fala de um garoto que saiu para ir a um show punk, e que depois, não quer mais voltar pra casa, prefere ficar no porão onde o show aconteceu, ainda que sozinho. E termina com:
Oh, please stay and make me feel alive.
Is it all the same with all punk kids?
Are we so afraid of our time passing by?
Just one more coffee...
just one more kiss...
Just one more song... it's all that I need
To feel like the world isn't bad enough
As long as you are there for me...

E assim termina o primeiro álbum do Dance of Days, com suas 15 músicas quase sem nenhum refrão, gritadas, berradas, cantadas desafinadamente, mas que é repleto de energia e honestidade. Quem não é muito fã do gênero dificilmente vai gostar, mas com certeza vale a pena ouvir, pela história da música e do punk brasileiro.

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obs: esse é o primeiro post do novo colaborador que chamarei por enquanto de Januário, e que devido a problemas técnicos, foi postado por mim.

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