Alguns gêneros
musicais são bem conhecidos por suas “bandas genéricas”. Bandas
que fazem a mesmíssima coisa que dezenas de outras já fizeram, os
mesmos tipos de letras, os mesmos efeitos de guitarra, a mesma
estrutura, etc etc etc. O punk, hardcore, post-hardcore são famosos
por isso, assim como emo. Gêneros onde um mar de mediocridade
esconde algumas excelentes bandas, que tem uma inventividade muito
acima da média. O disco “A História Não Tem Fim”, da banda
paulistana Dance of Days é um ótimo exemplo disso.
Já no longínquo
ano de 2001, quando no cenário punk/hardcore era tomado por centenas
de bandas cantando em inglês, com uma sonoridade mais ou menos
parecida, o Dance of Days aparece com seu primeiro álbum cheio, com
15 músicas, 13 delas em português, um álbum gravado quase ao vivo,
o que por um lado mostra todas as falhas técnicas da banda (que não
são poucas), por outro também deixa transparecer toda a força e
energia do álbum. A primeira música, “Se Essas Paredes Falassem”
deixa muito claro a essência da banda, enquanto o vocalista grita a
letra que fala sobre um sujeito que em meio a um mundo extremamente
preconceituoso, se vê em um relacionamento homossexual.
Daí pra frente o
álbum se divide em duas partes, a primeira é extremamente pesada e
agressiva, onde as letras extremamente políticas são ao mesmo tempo
muito passionais, podemos ver isso na música Ícaro Sobre As Chamas:
[...] Enquanto nos porões destas fábricas nosso suor move as máquinas,
a
fumaça cinza apaga o sol,
e
então saímos pra recolher
os
restos por baixo da fuligem.
Por
favor não me deixa ver que nós trocamos
nosso sangue por migalhas e que não há mais abrigo
nosso sangue por migalhas e que não há mais abrigo
pra
se proteger agora que a noite não tem fim.
Segura forte minhas mãos e diz
que amanhã vamos acordar
Segura forte minhas mãos e diz
que amanhã vamos acordar
e
nosso leito não vai estar tão sujo e frio...
O
disco segue com a música “Corvos do Paraíso”, onde o vocalista
Nenê Altro canta suas desilusões de lutas e grupos políticos –
“vejo
a solidariedade proletária escorrer pelo sangue nas costas de meus
irmãos”.
Toda essa primeira parte do álbum é marcada por essa espécie de
desilusão das lutas políticas e da mentalidade de grupo. A próxima
faixa, “Vinda a Mim” é quase um hino anticristão e
anticatólico, e a desilusão política volta mais uma vez em “Flores
Aos Rebeldes Que Falharam”, que tem mais uma letra carregada de
niilismo que diz - “E
nunca conseguimos nada. Todos sonhos que tivemos condenamos ao
esquecimento e ao nosso próprio desprezo”.
E a primeira parte do disco chega ao fim com a música “Carro
Bomba”, a música mais pesada e “punk” do álbum, possui uma
letra que transmite um sentimento daqueles que qualquer trabalhador
assalariado desse mundo já pensou, talvez não de maneira tão
agressiva, mas enfim: - “Você
não imagina o que eu tenho em mente quando digo bom dia... Quando
digo "sim, senhor" eu penso em te erguer pelo pescoço
e te ver mijar nas calças, seu filho da puta.”
Depois dessa canção
de pura poesia e amor ao próximo, começa a parte mais calma do
álbum, onde as músicas são mais cantadas e menos gritadas, e o
aspecto político delas fica mais escondido nas letras pessoais,
extremamente pessoais, é o caso da música “Mais Um Café Gelado
Por Favor”, onde o personagem grita que não quer mais ouvir sobre
trabalho, dinheiro ou como ele deveria mudar o mundo e se comportar,
sobre coisas que ele não
vai mudar. É quase impossível ouvir isso e não se identificar,
porque afinal, todo mundo um dia já passou por isso, esse talvez
seja o grande trunfo da banda e o fator maior do seu “sucesso”, a
capacidade de fazer letras passionais que conservem algum conteúdo,
coisa que era muito pouco vista na música, no rock brasileiro do
final de 90 e começo dos anos 2000.
Após algumas
canções mais “românticas” que deixaram a banda com o rótulo
risivelmente pejorativo de emo, o disco termina com “Suburbia
1996”, uma música em inglês que fala de um garoto que saiu para
ir a um show punk, e que depois, não quer mais voltar pra casa,
prefere ficar no porão onde o show aconteceu, ainda que sozinho. E
termina com:
Oh, please stay and
make me feel alive.
Is it all the same
with all punk kids?
Are we so afraid of
our time passing by?
Just one more
coffee...
just one more
kiss...
Just one more
song... it's all that I need
To feel like the
world isn't bad enough
As long as you are
there for me...
E
assim termina o primeiro álbum do Dance of Days, com suas 15 músicas
quase sem nenhum refrão, gritadas, berradas, cantadas
desafinadamente, mas que é repleto de energia e honestidade. Quem
não é muito fã do gênero dificilmente vai gostar, mas com certeza
vale a pena ouvir, pela história da música e do punk brasileiro.
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Campo das bandas
obs: esse é o primeiro post do novo colaborador que chamarei por enquanto de Januário, e que devido a problemas técnicos, foi postado por mim.
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